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Qu'est-ce que c'est la Littérature (Port. O que é Literatura)?

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Par   •  19 Septembre 2018  •  Mémoire  •  1 722 Mots (7 Pages)  •  610 Vues

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O que é Literatura?

(Ensaio crítico – Jan/2017)

O homem observa, formula juízos, expressa suas ideias, absorve outras incorporando-as àquelas que já tinha, enfim, se compartilha intelectualmente no meio em que existe. No exercício dessas faculdades, ele desenvolveu a linguagem e a escrita. Portanto, o homem lê, o homem escreve. Dentre esses textos, dos mais simples aos mais complexos, o que seria realmente literatura?

A primeira ideia de literatura que surge vem naturalmente do binômio real versus fantasia, opondo os textos mais pragmáticos aos mais “poéticos”. Entretanto, como aponta Terry Eagleton[1] no capítulo introdutório de sua “Teoria da Literatura”, a busca de resposta sobre esse fundamento não se sustenta, pois ao longo da história, a distinção entre fato e ficção é muitas vezes questionável, além do quê, várias narrativas de fatos reais, várias correspondências ou textos de outra natureza, como é o caso dos sermões do Padre Antônio Vieira, acabaram por revestir-se de caráter literário, tendo em vista o novo contexto em que foram apreciados ou o momento histórico em que foram reinterpretados.

Prosseguindo na questão “real versus fantasia”, não há como evitar o retorno ao conceito de mimese proposto desde a antiguidade na Poética de Aristóteles, segundo o qual ela é uma imitação da realidade, não a sua reprodução, assumindo importância não o real, mas a verossimilhança, o que poderia ser real, mesmo dentro de um prisma do irreal, da ficção. Luiz da Costa Lima em seu artigo Representação Social e Mimesis, busca a desconstrução da ideia tradicional da mimesis, reforçando a necessidade do abandono de uma visão essencialista de mundo, trazendo à reflexão aspectos conceituais de diversos autores, como Goffman que traz a representação para o cotidiano de nossas vidas, asseverando que “a maior parte de nosso tempo é empregado não em dar informações, mas em realizar espetáculos”. Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro, explorou essa faceta em sua obra, na forma de peças de teatro, contos e crônicas, a maioria deles, de acordo com o próprio autor, escritos com base na vida real. Costa Lima traz ainda a reflexão relativa à visão do mundo por “frames” ou molduras fabricadas ou emprestadas, diferenciando real de realidade. Certamente Nelson Rodrigues se serviu de suas molduras, suas formas de observar o mundo, forjadas na época em que trabalhou como repórter policial.

Sob o ponto de vista da mimese, no que diz respeito à retratação ou não da realidade pelo artista, vejamos o que diz o poeta Fernando Pessoa em Autopsicografia, trazendo uma visão bem clara quando diz que “O poeta é um fingidor / finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente [...]”. Ou seja, não há verdadeiramente o compromisso de que o autor tenha vivido a realidade que ele representa. Vejamos, em outro trecho do mesmo poema: “[...] E os que lêem o que escreve / na dor lida sentem bem / não as que ele teve / mas só as que eles não tem”. Ou seja, nem a realidade vivida pelo autor, sequer a experimentada pelo leitor estão em questão. É o prazer despertado pela leitura que sobressai como objetivo atingido por essa experiência literária.

Outra definição que pode ser eventualmente considerada é a da forma, defendida por algumas escolas literárias, como a dos formalistas russos, de acordo com a qual a linguagem literária representaria um conjunto de desvios da norma, uma “forma especial” de linguagem em contraste com a linguagem “comum” usada no dia a dia das pessoas, sendo os conteúdos apenas um pretexto para a manifestação da forma. Ora, essa forma de encarar a literatura também não pode ser utilizada como base sólida, pois ao se supervalorizar de forma exagerada os aspectos formais, se exclui o imenso valor dos conteúdos eventualmente presentes nas estruturas formais definidas.

Outro aspecto da literatura que não pode escapar à reflexão é o de outro conflito, abordado por Hans Ulrich Gumbrecht em sua “Produção de Presença”[2], que é a contraposição entre a necessidade racional de se produzir algo com sentido sob o ponto de vista da racionalidade, da interpretação feita com a lógica, que favoreceria um maior distanciamento do fato, e a produção de algo mais intuitivo, mais prático, por que não dizer, algo mais sentido na acepção de vivência, com maior proximidade do fato que a primeira. Nesse sentido Gumbrecht quando nos propõe “virar a substancialidade do ser contra a tese da universalidade da interpretação” nos remete ao questionamento das próprias bases do método científico, conclamando por mais fato e menos imagem interpretativa e nos desafia a pensar se seria possível não usar a interpretação para a percepção ou a compreensão do mundo real. Gumbrecht assinala outro aspecto essencial para a compreensão da literatura, da mesma forma que Eagleton também já o fizera, quando ressalta o papel político dos grupos sociais dominantes, enquanto afirma que “a hermenêutica e a interpretação, no discurso das Humanidades, estão protegidas por gestos de intimidação intelectual”.

Voltando a Fernando Pessoa, agora em outro poema “Dizem que finjo ou minto / Tudo o que escrevo. Não / Eu simplesmente sinto / Com a imaginação / Não uso o coração [...]. Sobressai aqui a proposta (falsa, é claro – o que também é mimese) de uma busca de distanciamento, mas mantendo um certo grau de presença, de forma a reter a atenção do leitor na estrofe intermediária “[...] Tudo o que sonho ou passo, / O que me falha ou finda, / É como que um terraço / Sobre outra coisa ainda. / Essa coisa é que é linda. [...]. Ou seja, o sentido não está exatamente ali. Pode estar em outro patamar, um plano sobre outro plano ainda. O autor assim nos prepara para o desfecho, um “grand finale” na última estrofe “[...] Por isso escrevo em meio / Do que não está ao pé, / Livre do meu enleio, / Sério do que não é, / Sentir, sinta quem lê!” O poema é repleto de referências à mimese, mas também à intencionalidade de se atingir o leitor de alguma forma, despertando não apenas a compreensão, o “fazer sentido”, mas também os seus sentidos, num movimento que realça a dicotomia razão – emoção sempre presente no universo do poeta, tanto na ortonímia (Fernando Pessoa, ele mesmo) quanto na heteronímia (os outros eus). Que o leitor viaje também no texto de forma menos acadêmica, degustando os seus diversos sabores, apreciando as suas diversas colorações em um verdadeiro caleidoscópio.

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